domingo, 6 de setembro de 2009

Acordo Brasil-França marca expectativa de ser "potência", diz estudioso

O acordo que será assinado amanhã com a França é o mais importante na área militar desde o fim da Guerra Fria e o primeiro entre governos desde o negociado com a Alemanha, há 34 anos, lembra João Roberto Martins Filho, especialista em história e estratégia militares que coordena o Arquivo de Política Militar Ana Lagôa, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

"O acordo marca a retomada da expectativa do Brasil de ser uma potência mundial nas próximas décadas", diz Martins Filho, que é vice-presidente do Comitê de Pesquisa sobre Forças Armadas e Sociedade da Associação Internacional de Ciência Política.

Autor de três livros sobre a ditadura militar, ele prepara o lançamento de "A Marinha Brasileira na Era dos Encouraçados".


FOLHA - Historicamente, qual a importância do acordo com a França?
JOÃO ROBERTO MARTINS FILHO - Só há dois precedentes, o acordo nuclear com a Alemanha, em 1975, e o acordo com os Estados Unidos, de 1952 [e que foi denunciado no governo do general Ernesto Geisel, quando já estava inoperante]. É o primeiro acordo militar entre o governo brasileiro e outro governo no período pós-Guerra Fria.

FOLHA - No que ele difere do acordo com os EUA dos anos 50?
MARTINS FILHO - O nível de capacidade tecnológica que o Brasil tinha na época levou o país a aceitar receber material militar já obsoleto. No final dos anos 50, foram entregues navios fabricados na Segunda Guerra. O acordo marca a retomada da expectativa do Brasil de ser uma potência mundial nas próximas décadas, o que implica conseguir certa autonomia tecnológica. Isso está sintetizado na possibilidade de construção do submarino nuclear.

FOLHA - Há implicações para as relações com os EUA, na área militar?
MARTINS FILHO - Esse acordo é resultado tanto de um interesse da França em ter esse tipo de relação privilegiada com o Brasil, quanto do interesse do Brasil de afirmar uma política sem hegemonia americana. Ele vai contrariar não só interesses estratégicos americanos como interesses das indústrias naval e aeronáutica americanas.

FOLHA - O acordo corresponde a intenções políticas do atual governo, ou seus fins são compartilhados pelos militares?
MARTINS FILHO - Vejo uma convergência das visões das Forças e do Ministério da Defesa.

FOLHA - Segundo seus estudos, a Marinha foi a primeira Força a expressar intenção de maior independência em relação aos EUA. Como?
MARTINS FILHO - Antes do final da Guerra Fria, nos anos 70, dois almirantes publicaram um texto, confidencial, em que diziam que o Brasil deveria procurar se afastar das amarras da visão hegemônica americana. Nessa visão, que previa uma guerra entre as superpotências da época [EUA e União Soviética], sobrava muito pouco papel para o Brasil, que queria começar a pensar em termos de ameaças regionais.

FOLHA - Do ponto de vista da França, o interesse é realmente estratégico e comercial?
MARTINS FILHO - A França tem interesse estratégico político e industrial. Há um conjunto de benefícios que ela poderia tirar de uma aliança com o Brasil, que tem economia considerável, para conseguir a boa vontade do país em outras áreas. Mas o acordo também lhe causa problemas na União Europeia. Provocou tensões com a Alemanha, que forneceu ao Brasil os submarinos da classe Tikuna e está por trás dos questionamentos feitos agora.

FOLHA - Por que o senhor diz que seria impossível um acordo igual com os EUA?
MARTINS FILHO - Nos EUA existem restrições maiores à transferência tecnológica e não haveria a possibilidade de um acordo em nível de governos.

FOLHA - Por quê?
MARTINS FILHO - Porque os EUA não têm interesse em fazer um acordo que destaque o Brasil na América do Sul, onde vêm privilegiando a Colômbia, e porque o foco de sua política está no Iraque e no Afeganistão. O acordo com a França é tão significativo que [o presidente colombiano Álvaro] Uribe cobrou [explicações de Lula, para se contrapor às críticas ao acordo que permitirá aos EUA o uso de sete bases na Colômbia]. A diferença é que os franceses não disporão de bases aqui.

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